Monday, 7 February 2011

PORTUGAL - ENTREVISTA AO DIÁRIO DE NOTICIAS

Primo do  Rei Fuad II e seu lugar-tenente, esteve recentemente em Lisboa para inaugurar a Fundação Mohamed Ali que tem como objectivo promover a tolerância religiosa. Em encontro com o DN analisou a situação em curso no seu país, o Egipto, e manifestou a esperança de que o movimento democrático tenha sucesso.
 
O rei Fuad II (do Egipto, no exílio na Suiça) emitiu um comunicado. Qual o teor do documento?
 
O rei lamenta o que está a acontecer e insta as pessoas a tentarem alcançar os seus objectivos. Pediu, porém, que tentem manter-se calmas, pacíficas e tentem não utilizar a violência o que é importante. Lamentou também as vítimas mortais [da repressão] e enviou condolências às suas famílias; lamentou também a existência de feridos e manifestou o desejo da sua recuperação rápida. O rei está profundamente preocupado com o que se está a passar e desejou que tudo termine de forma pacífica e com sucesso.
 
Conhece bem o Egipto...
 
Sim; nasci na Suíça mas fui levado para o Egipto onde vivi até ao golpe de Estado. E tenho lá família, a minha irmã, porque o presidente Anwar Sadat autorizou-nos a regressar. Vou lá com frequência.
 
Pode fazer uma análise do que se está a passar neste momento no Egipto?
 
Mais cedo ou mais tarde isto iria acontecer. Mas penso que foi o exemplo da Tunísia que levou a que os protestos aconteçam neste momento. É um movimento popular, com muitos jovens, onde estão presentes nacionalistas, os Irmãos Muçulmanos, estudantes, pessoas apolíticas. É uma reacção aos 30 anos de ditadura, à ausência da esperança. E espero que o movimento alcance os seus objectivos porque o país precisa disso.
 
Este movimento teve alguma preparação?
 
Não creio. Mas tenho seguido a situação no Egipto, e há muito tempo que se pressentia que algo assim iria acontecer. Sentia-se isso quando se ia às aldeias, aos bairros mais pobres, até quando se falava com os estudantes. Sentia que a situação estava à beira da ruptura. E não estou surpreendido com o que está a acontecer.
 
Precisavam apenas do rastilho, digamos assim?
 
Nem mais. Precisavam apenas de algo que lhes desse forças e esse papel coube à Tunísia.
 
O país pode voltar a ser uma monarquia?
 
Não creio. Mas a sua pergunta tem duas respostas. Penso que hoje as pessoas ainda estão na rua a fazer uma revolução e espero que tenham sucesso porque o país precisa de um regime democrático, mas uma vez alcançado precisam de encontrar formas de salvar esta revolução e de não serem de novo esvaziados das suas conquistas. Se a monarquia tem de desempenhar num papel será o do monarca. Mas cabe-lhes decidir.
 
Mesmo como república faz sentido haver um partido monárquico que se candidate às eleições?
 
Do meu ponto de vista, a monarquia é uma instituição que está acima dos partidos; o rei não teve tomar partido, deve chegar a todos e conseguir consensos. Formar um partidfo é contra essa ideia porque se entra num jogo político que não é o papel da monarquia.
 
Voltemos às manifestações. Em sua opinião, as pessoas continuarão na rua até que Mubarak parta ou, em determinado momento, decidirão que poderão suportá-lo até às eleições e regressam a casa?
 
Pessoalmente penso que ficarão na rua até que Mubarak parta. Querem também a partida de outros responsáveis mas isso não irá acontecer no imediato. E se Mubarak partir, lentamente a situação volta ao normal. Porque o poder já percebeu que se trata de um poderoso movimento popular, no início pensavam que era um simples protesto, daí que o primeiro discurso tenha sido patético.
 
Porque não disse Mubarak tudo no primeiro discurso?
 
Porque não percebeu a dimensão do protesto, o que surpreende tendo em conta o exemplo da Tunísia, a partida de Ben Ali. Foi patético. Mas lentamente o poder chegou à conclusão de que era maior do que se pensava. Já fez muitas concessões e terá de fazer mais.
 
Surpreendeu-o o papel do exército?
 
Não, absolutamente. O exército basicamente esteve à espera para ver o que acontecia e quando viu que não era uma pequena revolta de cinco mil pessoas, percebeu que seria difícil para os generais dar ordem de atirar porque na rua estavam irmãos, primos, familiares dos soldados. Era o mesmo povo. Contudo, fizeram-no com a polícia.
 
Porque não dizem os generais a Mubarak para partir?
 
É o que irá acontecer. Vão fazê-lo.
 
Porque não o fizeram ainda?
 
Porque este regime tem sido tão corrupto e com a corrupção vem a arrogância; para eles o povo egípcio não vale nada; nunca pensaram um segundo sequer no bem estar do povo. Por outro lado, não sabem como reagir a uma tal manifestação, nem como lidar com a situação. Mas os generais vão ter que lhe dizer que é tempo de partir, de contrário vão todos. Seria muito sensato para eles dizer a Mubarak para partir e em seguida regressarem todos aos quartéis. Seria o melhor para o país.
 
O vice-presidente Omar Suleiman tem afirmado que Mubarak não poder partir...
 
O vice-presidente é como o Presidente. Era e é o chefe dos serviços secretos. Ele tem tanto a perder como os outros. Também acabará por partir.
 
Vê alguém do velho regime que possa fazer a transição?
 
Penso que a única pessoa que pode liderar a transição, mas apenas a transição, possa ser Mohamed El Baradei. Talvez. Porque, apesar de ter pertencido ao velho regime, se transformou num opositor útil; é a figura importante agora. Claro que tudo isto pode mudar amanhã. Mas para já é a única pessoa que pode liderar a transição até às eleições e garantir que estas serão verdadeiras eleições e não meros referendos.
 
Amr Mussa, o secretário-geral da Liga Árabe esteve na praça da Libertação com os manifestantes. Qual a sua opinião sobre esta atitude de Mussa?
 
Está a tentar salvar o que pode.
 
É diferente dos outros?
 
Talvez seja um pouco diferente embora tenha feito parte do regime mas penso que tudo isso será passado. O que irá acontecer, em minha opinião, é que um novo grupo de pessoas irá aparecer, pessoas jovens, e é nelas que temos que concentrar a nossa atenção, nelas e no que irá acontecer no futuro.
 
Nota alguém novo que possa fazer a diferença?
 
Não, até agora ainda não. Mas o partido no poder irá dissolver-se se o movimento de protesto tiver sucesso e alguns deles irão criar um novo partido e é no que acontecer depois, nas eleições, que nos poderá revelar quem será alguém um dia. Porque a população é muito jovem, a maior parte nem tinha nascido no tempo de Sadat, só conheceram Mubarak. E para eles já chega, o seu líder não virá do regime.
 
No Ocidente há o receio de que os Irmãos Muçulmanos cheguem ao poder. Acha isso possível?
 
A curto prazo, não creio. Os Irmãos Muçulmanos constituem um partido muito bem organizado e têm importância mas esta foi muito exagerada pelo regime que fazia acreditar ter uma ameaça interna. Penso que não representam mais de 20%, se calhar nem isso. Contudo, irão jogar o jogo democrático. O perigo é a sua apropriação por outros poderes, através de financiamentos, de pessoas que estejam interessadas que cheguem ao poder. Agora os Irmãos Muçulmanos não são perigosos, poderão sê-lo dentro de dois ou três anos mas tudo irá depender da sociedade civil. Afinal, eles sempre lá estiveram.
 
Logo, não há o perigo de vermos o Egipto transformado num Irão?
 
Não serão capazes. Mas a influência dos religiosos pode ser um perigo a longo prazo para um país democrático como qualquer extremismo é perigoso para qualquer democracia.
 
Um movimento semelhante ao do Egipto pode acontecer noutros países da região?
 
Até agora nada se ouviu em Marrocos; na Jordânia os protestos não tocaram no nome do rei. Mas os regimes ditatoriais no Iémen, Argélia e até na Líbia estão ameaçados porque está a acontecer por todo o lado. Não creio que aconteça nos emirados porque a população tem um bom nível de vida, mas já não estou tão certo quanto ao Koweit e Arábia Saudita. A época da informação mudou tudo, tornou tudo possível. A Internet ajudou imenso. A população dantes só ouvia a propaganda governamental.
 
Isso significa que, agora, os líderes têm de ser mais claros, verdadeiros?
 
Informação e conhecimento caminham a par, um não existe sem o outro. Dominando os dois não é possível ser-se manipulado.
 
Estamos perante o nascimento de um novo Médio Oriente?
 
Não vai acontecer de um momento para o outro mas, pelo menos, é o que espero, que tenhamos um novo Médio Oriente com democracias. Mas há que ter cuidado na protecção dessa recém-nascida democracia.
 
O que espera dos EUA e da UE para proteger essas jovens democracias?
 
Tenho mais esperanças nos países europeus do que nos EUA. Os EUA apoiaram o Egipto durante 30 anos; irão ajudá-lo se tiver um governo que não corresponde aos seus desejos? Não sei. Como são pragmáticos, talvez acabem por aceitá-lo e ajudá-lo na mesma. Os europeus, contudo, são diferentes. Estão mais próximos, são vizinhos, e sempre tiveram um melhor conhecimento e entendimento da região; não duvido que estarão disponíveis para ajudar.
 
Voltando ao Cairo e a Mubarak. Existe perigo em as pessoas deixarem a praça antes da sua partida?
 
Se querem ter êxito devem manter a pressão até que ele parta, de contrário o regime que durou 30 anos e aprendeu bem a manipular, pode ser capaz de se reinventar e reagir.

Friday, 4 February 2011

PORTUGAL - EMTREVISTA TVi 24 "UM PRÍNCIPE EM LISBOA"

Osman Rifat Ibrahim é lugar-tenente do último rei do país. Numa entrevista com o tvi24.pt defendeu a queda de Mubarak, a democracia e a emancipação das mulheres. Falou da Internet e de uma juventude informada por ela. Garantiu que não se importa que o país seja uma república, se for isso que o povo deseja.
 
Entre no bar de um hotel no centro de Lisboa. Agora imagine-se à procura de um príncipe egípcio na casa dos 60 anos. Olhe em volta mais uma vez. Até que alguém que sabe que é procurado o procure a si. O homem que se levantou para lhe apertar a mão estava há segundos sentado em frente a uma chávena de chá, com três maços de Marlboro ao lado. Veste casaco e gravata azul sobre uma camisa riscada e calças cinzentas. «É sua alteza real o príncipe Osman Rifat Ibrahim», é-nos apresentado.
 
Foi assim que o tvi24.pt se encontrou esta sexta-feira à tarde com o sobrinho do último rei do Egipto e do Sudão, Fuad II. É lugar-tenente do monarca, que vive na Suíça, e dispôs-se a falar do país do qual a família se exilou em 1953 - quando o Egipto se tornou uma República. Com o país imerso numa revolução, que pede o fim do regime de três décadas de Hosni Mubarak, o príncipe Osman Ibrahim, que se confunde com qualquer outro dos hóspedes, fala sobre o hoje e o amanhã da sua pátria, de forma tranquila mas convicta.
 
«Estou muito preocupado com o que se está a passar, porque é o meu país. Mas via-se que isto ia acontecer há muito tempo. Teria de acontecer mais cedo ou mais tarde». Inicia assim a conversa que se prolongou por pouco mais de meia hora, no mesmo registo informal e afável com que começou.
 
Para o príncipe, que se formou em História e Ciência Politica, o Egipto já continha todos os ingredientes para que o povo se erguesse contra o regime, mas «a faísca desta revolução», diz, «foi a Tunísia». «A situação na Tunísia permitiu às pessoas levantarem-se e começarem a contestação. E têm todo o direito de o fazer».
 
Depois de aceso o rastilho, a chama serviu-se do mais poderoso combustível, a vontade humana, que, no Egipto, para este homem de 59 anos, está cansada das suas últimas décadas de história. O que se sente nas ruas é, para o príncipe Osman, o que se vive entre portas fechadas. O se vê no Cairo, é o que se observa na mais pequena das comunidades egípcias. «Se for às aldeias, onde quer que seja, vê-se uma miséria de proporções insuportáveis. Está por toda a parte no Egipto e atinge toda a gente». «O nível de desemprego é tremendo. Não há esperança para os egípcios. Podem ir para a escola e para as universidades, mas não há trabalhos», sublinha.
 
A uma economia de rastos, que serviu até agora «apenas uma classe muito rica, enquanto o resto do país não têm nada», junte-se um estado policial de liberdades individuais sufocadas. Depois faça-se chocar contra este muro uma juventude educada e diplomada sem horizontes, que têm «consciência da sua condição» e, apesar da pobreza, usa a tecnologia para fugir à «propaganda oficial» e informar-se.
 
«A Internet ajudou muito. Permitiu às pessoas ver, saber e ouvir coisas que nunca passavam na comunicação social local, ou nos sistemas de educação. O Egipto tem uma enorme fatia da população que é jovem e esta população usa a Internet», diz este príncipe do Egipto. «Trata-se de uma emancipação das ideias».
 
«Hoje não devemos acreditar que as pessoas são ignorantes e estúpidas. Hoje quase toda a gente pode saber o que pode ser verdade ou não. Estes regimes não podem mentir mais à população. A informação é tanta, que é impossível esconder seja o que for», realça.
 
Sobre a posição das potências ocidentais, que há bem pouco tempo elogiavam a estabilidade do regime e agora pedem a saída de Mubarak, diz que nela «há muita hipocrisia». «Mas viram que o regime não era tão forte como pensavam e estão a mudar os seus pontos de vista».
 
Para o príncipe, uma coisa parece ser clara, esta é uma «revolução popular». «Não penso que haja alguém por detrás desta revolução», frisa. «É provavelmente uma das primeiras revoluções realmente populares, porque não há realmente um líder. É um segmento da população que está cá fora, que protesta, que já conseguiu várias concessões do poder, que pode ter sucesso e espero que tenha».
 
Sobre as manifestações de apoio a Hosni Mubarak, que se assistiram nos últimos dias com alguma violência, diz que são a consequência da «manipulação do Governo» e da rede de dependências que foram geradas por um regime de três décadas. O Egipto que está nas ruas contra o presidente é o verdadeiro Egipto, garante.
 
«Esta é uma revolução que não tem um líder», sublinha. «É uma revolução com 80 milhões de rostos». Não só de homens, com se poderia temer numa sociedade pensada à medida destes, mas também de mulheres, para quem este momento pode tornar-se um marco de emancipação.
 
«Pode muito bem ser. Não nos podemos esquecer que nas décadas de 1920, 30 e 40 houve uma emancipação da mulher durante o período constitucional, em que foram feitos avanços», salienta. «Se estamos a presenciar uma revolução democrática, e espero que o seja, lentamente penso que será um avanço para os direitos das mulheres e de todos os que têm sido oprimidos».
 
Outros dos receios expressos por alguns analistas é o que esta revolta caia na mão de extremistas ou se decalque no Irão. Mas na voz do príncipe não se perscruta essa preocupação. «Não penso que se possa estabelecer um paralelo entre a revolução iraniana e o Egipto. A revolução iraniana foi um movimento religioso, não penso que este seja um. Há a Irmandade Muçulmana, claro, mas acredito que ela não é tão forte como se pensa», anota, referindo-se ao movimento islâmico proibido por Mubarak.
 
«No Egipto de amanhã deverão ter um papel na transição. Esperemos que eles entrem no jogo democrático», diz, salientando que o mesmo se aplica ao exército, cuja posição ainda é uma incógnita. Apesar de ter prometido que não usaria a força contra o povo não a usou para travar os confrontos de quarta e quinta-feira entre apoiantes de Mubarak e os manifestantes da Praça Tahrir.
 
A transição, que para o príncipe é um imperativo imediato, «deveria ser liderada por uma figura civil. Não por um militar». «Deve haver eleições e um regime civil. Os militares devem voltar aos quartéis», insiste.
 
Será o Nobel da Paz Mohamed ElBaradei essa figura? «Porque não?! É uma figura de transição. Não penso que seja um homem para representar um papel relevante no Egipto de amanhã, mas hoje é, provavelmente, a figura que deve ser seguida de forma a passarmos do que é o hoje para o amanhã, em que sejam organizadas eleições livres».
 
Quando questionado sobre que papel poderá ter o rei, que vive na Suíça, e o resto da família real, espalhada um pouco por todo o mundo, Osman Rifat Ibrahim responde: «Se há algum papel que se pode esperar de nós é o de unir as pessoas, se houver essa necessidade».
 
Numa república ou numa monarquia? «Isso cabe ao povo do Egipto decidir. Mas poderia ser em qualquer um dos regimes. A monarquia não é uma coisa do passado. O modelo espanhol é um bom modelo, que permitiu a transição para a democracia. Mas depende acima de tudo da vontade do povo egípcio. É ele que está a fazer esta revolução».
 
O príncipe salienta que o rei não procura qualquer protagonismo. «Mas se necessitarem dele, certamente que ajudaria o seu país, numa posição ou noutra. Como um cidadão privado ou noutra posição que lhe fosse pedida». Acima de tudo, este homem que ganhou a vida no ramo do imobiliário, garante que se pudesse «estaria na Praça Tahrir no Cairo». A agitar que bandeira? «A agitar qualquer que seja a bandeira que represente o Egipto».