Osman Rifat Ibrahim é lugar-tenente do último rei do país. Numa entrevista com o tvi24.pt defendeu a queda de Mubarak, a democracia e a emancipação das mulheres. Falou da Internet e de uma juventude informada por ela. Garantiu que não se importa que o país seja uma república, se for isso que o povo deseja.
Entre no bar de um hotel no centro de Lisboa. Agora imagine-se à procura de um príncipe egípcio na casa dos 60 anos. Olhe em volta mais uma vez. Até que alguém que sabe que é procurado o procure a si. O homem que se levantou para lhe apertar a mão estava há segundos sentado em frente a uma chávena de chá, com três maços de Marlboro ao lado. Veste casaco e gravata azul sobre uma camisa riscada e calças cinzentas. «É sua alteza real o príncipe Osman Rifat Ibrahim», é-nos apresentado.
Foi assim que o tvi24.pt se encontrou esta sexta-feira à tarde com o sobrinho do último rei do Egipto e do Sudão, Fuad II. É lugar-tenente do monarca, que vive na Suíça, e dispôs-se a falar do país do qual a família se exilou em 1953 - quando o Egipto se tornou uma República. Com o país imerso numa revolução, que pede o fim do regime de três décadas de Hosni Mubarak, o príncipe Osman Ibrahim, que se confunde com qualquer outro dos hóspedes, fala sobre o hoje e o amanhã da sua pátria, de forma tranquila mas convicta.
«Estou muito preocupado com o que se está a passar, porque é o meu país. Mas via-se que isto ia acontecer há muito tempo. Teria de acontecer mais cedo ou mais tarde». Inicia assim a conversa que se prolongou por pouco mais de meia hora, no mesmo registo informal e afável com que começou.
Para o príncipe, que se formou em História e Ciência Politica, o Egipto já continha todos os ingredientes para que o povo se erguesse contra o regime, mas «a faísca desta revolução», diz, «foi a Tunísia». «A situação na Tunísia permitiu às pessoas levantarem-se e começarem a contestação. E têm todo o direito de o fazer».
Depois de aceso o rastilho, a chama serviu-se do mais poderoso combustível, a vontade humana, que, no Egipto, para este homem de 59 anos, está cansada das suas últimas décadas de história. O que se sente nas ruas é, para o príncipe Osman, o que se vive entre portas fechadas. O se vê no Cairo, é o que se observa na mais pequena das comunidades egípcias. «Se for às aldeias, onde quer que seja, vê-se uma miséria de proporções insuportáveis. Está por toda a parte no Egipto e atinge toda a gente». «O nível de desemprego é tremendo. Não há esperança para os egípcios. Podem ir para a escola e para as universidades, mas não há trabalhos», sublinha.
A uma economia de rastos, que serviu até agora «apenas uma classe muito rica, enquanto o resto do país não têm nada», junte-se um estado policial de liberdades individuais sufocadas. Depois faça-se chocar contra este muro uma juventude educada e diplomada sem horizontes, que têm «consciência da sua condição» e, apesar da pobreza, usa a tecnologia para fugir à «propaganda oficial» e informar-se.
«A Internet ajudou muito. Permitiu às pessoas ver, saber e ouvir coisas que nunca passavam na comunicação social local, ou nos sistemas de educação. O Egipto tem uma enorme fatia da população que é jovem e esta população usa a Internet», diz este príncipe do Egipto. «Trata-se de uma emancipação das ideias».
«Hoje não devemos acreditar que as pessoas são ignorantes e estúpidas. Hoje quase toda a gente pode saber o que pode ser verdade ou não. Estes regimes não podem mentir mais à população. A informação é tanta, que é impossível esconder seja o que for», realça.
Sobre a posição das potências ocidentais, que há bem pouco tempo elogiavam a estabilidade do regime e agora pedem a saída de Mubarak, diz que nela «há muita hipocrisia». «Mas viram que o regime não era tão forte como pensavam e estão a mudar os seus pontos de vista».
Para o príncipe, uma coisa parece ser clara, esta é uma «revolução popular». «Não penso que haja alguém por detrás desta revolução», frisa. «É provavelmente uma das primeiras revoluções realmente populares, porque não há realmente um líder. É um segmento da população que está cá fora, que protesta, que já conseguiu várias concessões do poder, que pode ter sucesso e espero que tenha».
Sobre as manifestações de apoio a Hosni Mubarak, que se assistiram nos últimos dias com alguma violência, diz que são a consequência da «manipulação do Governo» e da rede de dependências que foram geradas por um regime de três décadas. O Egipto que está nas ruas contra o presidente é o verdadeiro Egipto, garante.
«Esta é uma revolução que não tem um líder», sublinha. «É uma revolução com 80 milhões de rostos». Não só de homens, com se poderia temer numa sociedade pensada à medida destes, mas também de mulheres, para quem este momento pode tornar-se um marco de emancipação.
«Pode muito bem ser. Não nos podemos esquecer que nas décadas de 1920, 30 e 40 houve uma emancipação da mulher durante o período constitucional, em que foram feitos avanços», salienta. «Se estamos a presenciar uma revolução democrática, e espero que o seja, lentamente penso que será um avanço para os direitos das mulheres e de todos os que têm sido oprimidos».
Outros dos receios expressos por alguns analistas é o que esta revolta caia na mão de extremistas ou se decalque no Irão. Mas na voz do príncipe não se perscruta essa preocupação. «Não penso que se possa estabelecer um paralelo entre a revolução iraniana e o Egipto. A revolução iraniana foi um movimento religioso, não penso que este seja um. Há a Irmandade Muçulmana, claro, mas acredito que ela não é tão forte como se pensa», anota, referindo-se ao movimento islâmico proibido por Mubarak.
«No Egipto de amanhã deverão ter um papel na transição. Esperemos que eles entrem no jogo democrático», diz, salientando que o mesmo se aplica ao exército, cuja posição ainda é uma incógnita. Apesar de ter prometido que não usaria a força contra o povo não a usou para travar os confrontos de quarta e quinta-feira entre apoiantes de Mubarak e os manifestantes da Praça Tahrir.
A transição, que para o príncipe é um imperativo imediato, «deveria ser liderada por uma figura civil. Não por um militar». «Deve haver eleições e um regime civil. Os militares devem voltar aos quartéis», insiste.
Será o Nobel da Paz Mohamed ElBaradei essa figura? «Porque não?! É uma figura de transição. Não penso que seja um homem para representar um papel relevante no Egipto de amanhã, mas hoje é, provavelmente, a figura que deve ser seguida de forma a passarmos do que é o hoje para o amanhã, em que sejam organizadas eleições livres».
Quando questionado sobre que papel poderá ter o rei, que vive na Suíça, e o resto da família real, espalhada um pouco por todo o mundo, Osman Rifat Ibrahim responde: «Se há algum papel que se pode esperar de nós é o de unir as pessoas, se houver essa necessidade».
Numa república ou numa monarquia? «Isso cabe ao povo do Egipto decidir. Mas poderia ser em qualquer um dos regimes. A monarquia não é uma coisa do passado. O modelo espanhol é um bom modelo, que permitiu a transição para a democracia. Mas depende acima de tudo da vontade do povo egípcio. É ele que está a fazer esta revolução».
O príncipe salienta que o rei não procura qualquer protagonismo. «Mas se necessitarem dele, certamente que ajudaria o seu país, numa posição ou noutra. Como um cidadão privado ou noutra posição que lhe fosse pedida». Acima de tudo, este homem que ganhou a vida no ramo do imobiliário, garante que se pudesse «estaria na Praça Tahrir no Cairo». A agitar que bandeira? «A agitar qualquer que seja a bandeira que represente o Egipto».
